Lisboa,

terça-feira, abril 05, 2005

gestos de amor

Quem conhece a Caparica sabe que, se subir o areal das dunas, junto à paragem 7, e chegar junto à praia, avista o primeiro pontão que protege aquela zona da vila (agora cidade).
O dia hoje estava de Sol, com nuvens brancas e espaçadas que não ocultavam um calor de Primavera apetitoso.
A maré iria começar a descer dali a pouco tempo e a água espraiava-se até à Fonte da Telha. Para o outro lado, até ao primeiro pontão e depois até ao restaurante O Barbas, onde as obras de protecção costeira tinham começado não há muito.
Contei umas dezenas de surfistas que, daquele ponto, pareciam gaivotas pousadas na água do mar.
Indiferentes, ele e ela trocavam beijos repenicados, rindo distraidamente. Ele sentara-se de frente para ela, ela sentara-se sobre as pernas dele, agarrando-lhe os ombros. Tinha os cabelos curtos, encaracolados e olhos de amêndoa pequenos e risonhos. Ele entregara-se à brincadeira dela, sem responder, sorrindo às suas "bicadas", abraçando-a na cintura, com o braço disponível. Os risos dela, os beijos sonoros, as palmadas na face e, mais além, as ondas a começarem a recuar e os restos do lixo a ficarem depositados, fixando o limite que a água alcançara na areia.
O Sol continuava quente e os meus passos deixavam as suas marcas. As gaivotas estavam longe naquele momento, porque não vislumbrei nenhuma. Até ao pontão, paralelamente à linha férrea, as pedras seguram a areia que já foi uma longa duna
desgastada pelo mar, e deixa desnudado o caminho até ao parque de campismo almadense.
Ele está de tronco nu, de calças de ganga, cabelos desgrenhados, deitado de costas e ela, a seu lado, colocando-lhe uma perna por cima, puxara-lhe a cabeça, apoiando-a no braço esquerdo. Tinha uma t-shirt de cores claras, uma calças apertadas, e a cabeça descoberta deixava-lhe o cabelo comprido livre sobre as costas. À volta, nada se passava que os incomodasse. À volta, pouco existia que os preocupasse. À volta do seu nicho de amor, apenas os ruídos longínquos, a aragem macia, o quente do Sol a enlear-lhes os gestos. Ele agarrava-lhe a cintura fina, os ombros, as pernas. Ela beijava-o carinhosamente, sem despegar a boca da boca dele.
Um casal idoso cruzou-se comigo. Só ela molhava os pés de vez em quando. Ele calçava uns ténis baixos e já gastos. A maré continuava a descer vagarosamente. Subi o rochedo para o lado do passeio. Mais surfistas coloriam de negro as ondas que começavam a formar-se metros atrás. Uns conseguiam subir às pranchas e rodopiavam à sua frente, até desaparecerem entre a espuma; outros limitavam-se a deixar-se levar, deitados em pranchas mais pequenas, mais baratas.
Indiferente, um casalinho olhava o mar. Haviam escolhido um lugar entre o muro de pedras que delimitava a praia, até perder de vista. Olhavam os surfistas e as ondas. Ela, um pouco à frente, escostara-se a ele, como se procurasse segurança. A sua mão agarrava a dele, a cabeça encostada ao seu peito, ambos fixando o horizonte, os lábios em murmúrios imperceptíveis.
Um bando de gaivotas apareceu de súbito e sobrevoou o rebentamento das ondas. Outro bando, para os lados da Fonte da Telha, pousara na areia que a água acabara de deixar a descoberto. Para lá do Barbas, as máquinas escavadoras e uma grua depositava pesadas pedras no pontão já gasto, engrossando-o e continuando-o pelo mar dentro. Um passeio mais largo vai reaparecer em breve.
Entretanto, a maré baixara muito e o areal reaparecera à vista com maior extensão.
Quando voltei, reparei que os casalinhos que notara antes, se mantinham nos mesmos lugares. Mas não só. Afinal, não eram casos isolados. O amor estava no ar, nesta terça-feira, 5.
É bonito ver o amor à solta. Sem preconceitos e com a naturalidade que lhe é própria.
O amor anda no ar.
Neste pequeno passeio ele esteve presente.
Gestos de amor, coisas do amor.

6 Comentários:

At abril 06, 2005 12:53 da manhã, Blogger soperia diz...

tb vi uns quantos... perto da minha casa.. barra city...mas, cansa.me um bocado.. estarei invejosa?

 
At abril 06, 2005 7:35 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Obrigado pelos teus comentários no Momentos de Vida. Deixei o meu primeiro no teu post de 3 de Abril. Um abraço. Também te incluí nos meus links. António (http://momentosdevida.blogs.sapo.pt)

 
At abril 06, 2005 10:23 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Que bem que sabe! Tb andei por lá no sabado, mas chovia e o namoro foi debaixo de um chapeu de chuva...mas sabe sempre bem!

 
At abril 06, 2005 4:48 da tarde, Anonymous Anónimo diz...

Também os vejo aqui, no "meu" areal... e que saudades desses passeios a dois, beijos salgados, sabor a maresia...

Deles, resta a saudade... num relembrar, em passeios solitários, bem junto ao mar.

Abraço :-)

 
At abril 07, 2005 2:40 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Eu posso ser um "manipulador" mas tu és um pintor.

 
At março 06, 2007 4:49 da tarde, Anonymous Anónimo diz...

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