Lisboa,

segunda-feira, maio 09, 2005

christopher reeve

"Tentava voltar a adormecer, mas não resultava e começava novamente a pensar, os mesmos pensamentos atormentadores. Começava sempre assim: "Isto não sou eu." E depois: "Porquê eu?" E: "Tem que haver um engano." E finalmente: "Oh, meu Deus, estou encurralado, estou aprisionado. Tenho aqui uma sentença de vida. Estou preso, nunca vou sair daqui. Não vou sobreviver. Não posso fazer isto, não posso fazer aquilo. Não posso levantar-me, não posso mexer-me. Sou patético. O que vou fazer comigo? Tenho 42 anos. Não tenho vida. Vou tornar-me objecto de caridade." O meu pensamento foi invadido pela súplica: "Por favor, deixem-me sair. Deixem-me sair."
Referi que uma lesão C1-C2 é como ser-se enforcado. E lembro-me de pensar que se uma pessoa sobrevive, deixam-na ir. Só tentam uma vez: não nos apanham do chão e levam novamente para reatar a corda. Estes pensamentos melodramáticos eram recorrentes. No meu espírito sucediam-se todo o tipo de cenas e de ideias absurdas. Seria bom poder aproveitar essas horas entre as 2h e as 7h, mas não podia. Mal aguentava a barra. Tentava concentrar-me no amor e apoio que recebia. Mas a maior parte do tempo pensava: "Não quero saber se gostam de mim ou não. Quero é andar. Troco todo este afecto para poder subir um lanço de escadas." O corpo e o espírito, na tentativa de sobrevivência, podem ser muito egoístas. Dizemos: "Que se lixe o resto do mundo, tratem mas é de mim. Primeiro eu. Sabem, isto não é justo para mim."
Julgo que estes pensamentos egoistas fazem parte do mecanismo de sobrevivência. Esse "eu-eu-eu" é inevitavelmente a primeira resposta. E depois é necessário evoluir para pensamentos mais elevados - uma maneira de pensar diferente. Algumas pessoas conseguem-no através da religião; são capazes de subordinar-se à fé. Mas isso comigo não resultava, embora tentasse. Não sou uma pessoa religiosa, mas pensei: "Tenho que desenvolver uma relação com Deus neste momento, senão estou perdido." Havia noites em que rezava mas sentia-me um verdadeiro impostor. Sentia que estava a representar, que não vinha verdadeiramente do âmago do meu ser, de uma origem genuína. O meu amigo Bobby Kennedy disse-me uma vez: "Finge até conseguires. As orações poderão soar a falso, mas tornar-se-ão realidade um dia e a tua fé tornar-se-à real." Mas algo diferente aconteceu comigo. Comecei a pensar: "Se Deus existe ou não, isso não é o importante. A espiritualidade em si, a crença de que existe algo superior a nós, é suficiente."
(Christopher Reeve in "Apesar de tudo, Eu")



Christopher Reeve, mais conhecido pelo "Superman" no cinema, foi vítima dum acidente de cavalo, durante uma prova hípica, no dia 29 de Maio de 1995, e esteve entre a vida e a morte. A queda provocou-lhe uma fractura que o deixou imobilizado do pescoço para baixo.
Arranjou forças para sobreviver, lutou, criou uma Fundação com o seu nome para angariação de fundos para financiar a investigação científica nesse domínio, foi presidente da Associação dos Paralíticos Americanos, dando várias conferências pelo país fora.
Aos 52 anos de idade, 9 anos depois do acidente, uma paragem cardíaca deixou-o em estado de coma, vindo a falecer no dia 10 de Outubro de 2004.

Esta entrevista com o actor foi publicada algures na Net:

4 Comentários:

At maio 09, 2005 2:56 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Eu sei que o que vou dizer, parece terrivel, mas é a minha forma de pensar:
-Foi terrivel a situação dele, foi um caso arrepiante, mas no meio disto, ele tinha um certo conforto, que a vida de actor lhe porporcionava.
Mas, penso em todos aqueles, que sofrem acidentes destes e ficam neste estado.
E são pobres. E não têm quem os ajude. E não têm conforto, nem cadeiras de rodas eléctricas.
Eu numa situação destas, preferia morrer.
1º. Porque não gostaria de ver a minha família sofrer o meu sofrimento.
~2º. Porque gostaria que todos se lembrassem de mim, de uma outra forma.
3º. Não iria arruinar moralmente e finanveiramente a minha família, para salvar o pouco que restava de mim.

E que Deus me perdoe, mas amo demasiado a minha família para lhes dar tamanho sofrimento, que era ver a minha própria degradação.

Um abraço de boa noite;.)

 
At maio 10, 2005 5:15 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Para mim, ele sempre foi uma referência de coragem. Não desistir enquanto se pode ir à luta. Lembro-me que fiquei de lágrimas nos olhos quando soube da morte dele. Há quem escolha desistir, há quem prefira ir à luta. Ele lutou até ao fim. Beijo grande.

 
At fevereiro 21, 2007 2:30 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

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