Lisboa,

segunda-feira, outubro 24, 2005

uma vida pelo Tibete


"Quando penso nos sofrimentos pelos quais o nosso povo passa e me lembro de tudo o que vi e ouvi no Tibete, compreendo que é difícil falar da história trágica do povo tibetano ao mundo exterior. No entanto não posso deixar de evocar as vidas destruídas pela opressão do agressor. Será que se sabe que se os pais não sorrissem diante do "espectáculo" do assassínio dos filhos, se não aplaudissem, se não agradecessem aos chineses terem matado os filhos na sua presença, eram também condenados à morte? Crianças muito pequenas eram obrigadas a ver os pais arrastados pelas ruas da aldeia ou da vila, a serem maltratados, lapidados e finalmente executados, unicamente por terem cometido o crime de servirem o regime anterior ou por serem os herdeiros dos proprietários das terras.
Era com essa mesma crueldade que castigavam as mulheres cujos maridos tinham sido executados por suspeita de pertencerem à Resistência ou tinham conseguido fugir para a Índia. Tenho listas com os nomes de muitas delas, que foram vítimas de violações e torturas, mas não posso citá-los para preservar a segurança das suas famílias.
Em todas as regiões que atravessámos ouvíamos contar as mesmas atrocidades. Os tibetanos contavam-nos a sua experiência pessoal da opressão chinesa. Achavam que a nação inteira estava em perigo, confrontada com os piores horrores. A agonia do país parecia-lhes inexorável.
Não podia deixar de chorar ao escutá-los, ao ver esses rostos emaciados e esses corpos descarnados. A delegação que eu chefiava vivia num estado de choque permanente. Muitas vezes chorávamos com as pessoas que vinham ao nosso encontro. A emoção submergia-nos por estarmos a falar uns com os outros pela primeira vez em trinta anos. Por vezes deixávamo-nos ganhar pela fadiga e pelo desalento e soluçávamos em silêncio, após termos evocado entre nós os testemunhos escutados durante o dia.
Mas apesar disso sentia-me muito comovida por constatar a força espiritual e mental dos nossos compatriotas. Sabendo que isso lhes podia custar a vida, gritavam: "Viva o Dalai Lama! Que ele viva dez mil anos!"... No entanto a população tinha medo. Sabia que havia informadores e espiões a soldo dos invasores. Por essa razão tomávamos muitas precauções nas conversas com os nossos interlocutores, aumentando assim as dificuldades da nossa missão."

(Jetsun Pema in "Uma vida pelo Tibete")

2 Comentários:

At outubro 24, 2005 11:22 da tarde, Blogger Su diz...

terrível qd a vida é isto....cheia de sofrimento, dor, seca, fria, curta..oopsss

jocas maradas

 
At outubro 25, 2005 6:19 da tarde, Blogger Conceição Paulino diz...

inimaginável para quem por estas situações n/ passa....Doloroso pensar no k fazemos uns aos outros. Boa semana.Bjs e ;)

 

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