Lisboa,

terça-feira, janeiro 17, 2006

bocado de hoje: amores grandes

Vi uma lágrima na ponta do céu, e toquei-lhe ao de leve para soprar o nó que me prendia.
As nuvens surgem apressadas, levadas nos braços de ventos que se não vêem nem ouvem. Passam aceleradas por entre nesgas de betão, e formam-se e desformam-se em figuras e manchas e pontas do que parece ser e não é.
Busco por fora e por dentro um pouco que possa dar.
Uma carta, um embrulho, um texto que dê pra ler:

"Nos últimos tempos tenho começado com aquelas lamechices de mulher amarga.
Tudo me leva a acreditar que todas as vezes em que sentir o coração a bater mais forte, não serei correspondida como aconteceu quase sempre até aqui..."

Puxo um sol que está ausente, tisnado no fundo do céu, e viro-o pra mim por magia feita da ilusão que não se vê. Não sei se é delírio, se é remoinho que arde. Mas resguardo a um canto um ponto seguro. É nele que entro, que me alojo e abrigo.

"E porque vou ficar sozinha?... Francamente, contigo, não me consigo imaginar no amanhã!
Amores grandes que não se apagam com o tempo só existem nas novelas, não é verdade?..."

Novelas irreais, produto da imaginação. Há também as outras, aquelas que tocam a pele e deixam rastos no corpo que o tempo, só ao de leve, vai apagando.
Nas novelas, como na "vida real", todos os actores representam o seu papel. Só que, enquanto na novela eles sabem que "não é a sério", nas nossas "novelas" não sabemos que estamos a representar também!
O medo abate-se sobre quem não está seguro de si! A perda dum amor atrai receios súbitos, traz ao caminho o desconhecido fantasmagórico do que está para além dos sentidos. O pensamento insiste no medo de ficar só. A solidão é um mostrengo feito de horror e desconhecido. O desconhecido fere a mente. Não é amigo de quem desconfia do incerto.

Como hei-de agir? O que faz tornar real a dúvida que desconsola? Porque se desprende tão facilmente o momento que era tão belo?
Seguro entre os dedos a noção do porquê. Um grito surdo levanta a aldraba e bate seco, como anúncio esperado. Como se alguém dentre alguém desconhecesse o que é. Vale a lembrança e um carinho leve.
Porque não olhas o horizonte, onde podes espraiar longamente o teu encanto? Porque não experimentas um encontro, um olhar leviano, um sorriso de juventude alegre, um abraço com a vida? Porque não arriscas ser, aquilo que ser não é feito nem de barro nem de pó. Porque não és uma amiga, um afecto ou um carinho, um diário dos teus amigos, um gosto de passear, uma vontade de ler, de olhar a natureza, de mirar o céu e o mar, como um espelho gigante?...

Porquê se duvida da vida?
Lá adiante, mais à frente desta estrada, quando o momento for novo e nova a forma de ser, sabemos que vais encontrar inesperadamente Alguém que anda à procura duma pessoa "exactamente assim, como tu és"!
E tu vais cair em ti, e perguntar: "Como foi possível ter desperdiçado aqueles momentos tão meus?..."

18 Comentários:

At janeiro 17, 2006 12:40 da manhã, Blogger Carla diz...

Amaral
Confesso que me identifiquei bastante com este post, grandes verdades...é assim que se deixa de acreditar no amor... pelas decepções e pela dor...
Hj perfiro a dor da solidão ao sofrimento por amor... acabei por conseguir lidar melhor com a solidão, voltando as minhas energias para quem precisa realmente da minha presença no dia a dia, e sofro muito menos com as decepcões e sobretudo com a traição que um amor pode trazer... os momentos passam, ficam as lembranças e muitas cicatrizes para a vida...
Hoje contento-me em sobreviver por aqueles que pouco ou muito precisam de mim para viver...
Acredito no amor que tenho ainda para oferecer a quem me rodeia, no amor fraternal, mas há muito que deixei de acreditar no amor de um homem por mim... morri para esse tipo de amor...não acredito, não espero, não o procuro viver, para ser honesta não o quero viver, tenho muito mais paz de espirito, muito menos decepções e sofrimentos....
Chegou uma altura em que decidi por um ponto final... e quando a decisão parte de nós mesmos, tudo está bem....
Já não tenho ninguém à minha espera...e não voltarei a ter, simplesmente porque já não acredito...

Bjx e boa semana

 
At janeiro 17, 2006 9:06 da manhã, Blogger mdm diz...

Pois...

 
At janeiro 17, 2006 9:43 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Ai... beijão amigo, que a vida é sempre uma descoberta, às vezes tramada... Amor? Qué isso??

 
At janeiro 17, 2006 11:01 da manhã, Blogger sofia. diz...

É mesmo :)
Beijinhos

 
At janeiro 17, 2006 11:39 da manhã, Blogger Unknown diz...

Olá amigão, cá estou eu a encher o meu coração de belas palavras que escreves tens o dom de me consolar a dor e me ajudares a amainar a disilusão.
Beijos

 
At janeiro 17, 2006 11:56 da manhã, Blogger Vica diz...

Lindo texto, é uma pena mesmo quando desperdiçamos momentos assim tão nossos, como tão bem descreveste. Beijos!

 
At janeiro 17, 2006 1:43 da tarde, Anonymous Anónimo diz...

A outra metade da laranja existe, a vida é que por vezes é demasiado dura, e não nos ajuda a encontrá-la...

 
At janeiro 17, 2006 2:41 da tarde, Blogger Esther diz...

Os momentos vividos ( bons ou não ) jamais foram desperdiçados, pois, quando eu os vivenciava dava meu melhor...Se não deu certo, coloco tudo no arquivo com a seguinte etiqueta: " Passado: Dados para consulta
literária "..beijos!

 
At janeiro 17, 2006 7:44 da tarde, Anonymous Anónimo diz...

Olá Amaral!
Adorei ler este post!

'' Vi uma lágrima na ponta do céu, e toquei-lhe ao de leve para soprar o nó que me prendia.''

Muito obrigada pelas tuas sábias palavras no meu blog!

~*~

 
At janeiro 17, 2006 9:02 da tarde, Blogger Maria Carvalho diz...

Quanto a mim nenhum momento é desperdiçado, embora por vezes dê a impressão de que sim...mas não, não é. Todos os momentos valem a pena! Beijos.

 
At janeiro 17, 2006 10:15 da tarde, Blogger Meia Lua diz...

Ai Amaral...
depois de uma desilusão é tão difícil voltar a acreditar... é como subir montanhas sem ar para respirar... é até querer e pensar em amar novamente, mas ter medo de seguir... é preciso tempo, para curar as feridas e sentir que se está pronto outra vez...
beijinho

 
At janeiro 17, 2006 11:11 da tarde, Blogger Folha de Chá diz...

Há sempre um sapato para cada pé. :) Não vale deixar o medo esconder essa realidade.

 
At janeiro 18, 2006 12:26 da tarde, Blogger Conceição Paulino diz...

magnífico texto praticamente a 2 vozes. E k belas vozes.É bom k quem leia atente nas tuas palavras finais e não desperdice nada.
Tem 1 bom dia, k seja uma boa semana e k estejas bem e fiques feliz. bjocas e ;)

 
At janeiro 18, 2006 1:42 da tarde, Blogger vero diz...

Amaral,
venho agradecer este post... muito obrigada!!! Fez-me parar para pensar... muito obrigada mesmo...
Beijinhos***

 
At janeiro 18, 2006 10:07 da tarde, Blogger Su diz...

adorei ler-te

e eu já pergunto: "Como foi possível ter desperdiçado aqueles momentos tão meus?..."

jocas maradas

 
At janeiro 18, 2006 11:07 da tarde, Blogger Fragmentos Betty Martins diz...

Amaral

Os teus textos, têm sempre uma mensagem - profunda. Reflectir!!! é o que eles "dizem"

Obrigada por isso :)

Beijinhos

 
At janeiro 18, 2006 11:36 da tarde, Blogger anapaula diz...

Olá Amaral,

Gostei bastante do post. Confesso que me revejo no que li. Às vezes é difícil acreditar ou voltar a acreditar. Tal como é difícil não nos fecharmos na concha das desilusões.

E sim sei que quando o fazemos poderemos estar a cometer outro erro, dificultando a entrada da luz do sol. Mas, ao mesmo tempo, penso que é uma forma de protecção. Mesmo sendo uma má protecção.

 
At janeiro 19, 2006 1:18 da tarde, Blogger Desconhecida diz...

Os momentos que por vezes pensamos desperdiçados, na realidade não o são.
AQuanto ao resto, penso que o melhor mesmo, é deixar a água passar por debaixo da ponte. O tempo se encarregará de nos trazer aquilo que nos pertence. Não te parece?

 

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