Lisboa,

quarta-feira, janeiro 11, 2006

ruídos que incomodam

Não foi uma nem duas. Por diversas vezes, quando me deitava, não conseguia adormecer, por mais que tentasse.
Quase junto dos ouvidos, ouvia aquelas vozes ao lado, um grupo de quatro ou seis pessoas que se divertiam jogando o "loto", até de madrugada. Os números das bolas tiradas do saco eram anunciadas em voz alta e aqueles "26", "32", "69", matraqueavam-me os ouvidos. Sentia sono, mas não "pegava" no sono.

Lembro-me também daquele pingo que, lá fora, caía sobre um pano de lona e, dum modo contínuo, desencadeava um "pac...pac" irritante, que me entrava pelos ouvidos e ali ficava, ecoando como um tambor. Eu sentia sono, mas não "pegava" no sono.

Hoje, situações como estas continuam a acontecer, como é evidente. Mas, enquanto que, anos atrás, eu barafustava, irritava-me, impacientava-me - hoje, tento olhar tudo isto de uma forma diferente.
Quando tento adormecer e um ruído vem de fora e me incomoda, só tenho uma solução. Se quero adormecer, terei que ouvir o ruído, compreender o ruído, aceitar o ruído e apreciá-lo.
Se eu quiser adormecer e o ruído (o pingo ou as vozes exteriores) estiverem a incomodar-me, tenho que concluir que não são elas que me estão a incomodar; eu é que estou a incomodar-me por causa delas.

Às vezes é um apito contínuo, incessante. Torna-se irritante ouvi-lo. Não consigo adormecer. A pouco e pouco, procuro ouvi-lo melhor, começo a apreciá-lo, a sentir-lhe a beleza, a contínua sonoridade. Que bonito é o apito! Em vez de lutar para o não ouvir, procuro o que ele me traz de belo, de agradável. Ouço-o no seu encanto, no seu embalo.

Afinal, o tal pingo, as vozes, o barulho do apito, o avião que passa, o vento que uiva por entre as árvores - eles estão lá, a acontecer no seu espaço, no seu momento, no universo onde me encontro também.
Se aceitar, se me deixar enlevar, se os deixar vir a mim e os acolher - eu vou conseguir adormecer, embalado à distância, consciente daquilo que são: apenas ruídos, meros ruídos, acontecendo na comunhão com tudo o resto...

18 Comentários:

At janeiro 11, 2006 12:19 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Sou testemunha - não ocular, mas auditiva, desta verdade. Moro no centro do centro da cidade e a presença de ruídos não é rara. Cheguei a ficar incomodada em outros tempos, depois aceitei com tranquilidade e hoje tudo está em seu devido lugar, incluindo o canto dos pássaros que certamente sempre alí estiveram mas que o incômodo encobria. Ouço-os mais mesmo que os ruídos. Acho que o ouvido faz suas escolhas. Beijinhos,
Jo

 
At janeiro 11, 2006 12:21 da manhã, Blogger Folha de Chá diz...

Aprender a notar, conscientemente aceitar o que nos rodeia, simplesmente, sem julgar. :) Que bela lição.

 
At janeiro 11, 2006 1:43 da manhã, Blogger Fragmentos Betty Martins diz...

Querido Amaral

Que paz - a tua escrita.

É como ouvir
o docemente deslizar
das águas
de um rio - calmo - sábio...

Obrigada, por estes momentos

Beijinhos

 
At janeiro 11, 2006 3:47 da manhã, Blogger vero diz...

Queridos amigos, o que é para vós a "PAIXÃO" e o "AMOR" ?
As mais belas definições/ interpretações serão depois publicadas no meu blog!
Posso contar convosco?
Beijinhos***

 
At janeiro 11, 2006 9:09 da manhã, Blogger Living Place diz...

Não é que tens razão!
Eu, ao contrário da Jonice vivo no campo, onde a minha casa é a última da rua, logo seguida de pinhal. Não tenho sons que me irritam, a não ser os cães da minha vizinha da frente (uns 30, sim 30), dos quais uns 6 estão sempre na parte da frente da casa (em recuperação), ao principio os cães vinham ladrar todos durante a noite para a frente da minha janela do quarto, isso irritava-me, às vezes abria a janela e mandava-os calar (por incrivel que parece eles paravam....), ultimanente é só um que ladra, mas não me incomoda, adormeco com ele a ladrar.... só agora, depois de ler o que escreveste, me apercebi disso.... se calhar compreendo o rapazito.... são tudo cães abandonados que a minha vizinha recolhe!

 
At janeiro 11, 2006 11:55 da manhã, Blogger Vica diz...

Eu também estou tendo de me acostumar a esses ruídos cotidianos, onde eu morava antes era mais tranqüilo e agora passam ônibus e carros na frente do meu edifício. É uma questão de adaptação. Bjs.

 
At janeiro 11, 2006 2:22 da tarde, Blogger Estrela do mar diz...

...Amaral podes ter razão, mas olha que comigo isso não funciona...para adormecer nem consigo ter um relógio perto a fazer tic-tac...acreditas nisto?...a minha sorte é que onde moro não oiço nada de noite, porque se não estava bem arranjada...


Beijinhosssssssss.

 
At janeiro 11, 2006 3:51 da tarde, Anonymous Anónimo diz...

Estou de neura!
Beijo, BShell

 
At janeiro 11, 2006 6:39 da tarde, Blogger Crónicas de Ariana diz...

Há que ver o lado positivo e belo das coisas, pelo menos quando não conseguimos ultrapassar de outra forma...

 
At janeiro 11, 2006 9:01 da tarde, Blogger Su diz...

como sempre gostei de ler.te
mas estas pequenas ou grandes mudanças que fazemos em relação ás coisas, aprendemos com o tempo...
jocas maradas

 
At janeiro 11, 2006 10:10 da tarde, Blogger Meia Lua diz...

Esta arte de mudar só se aprende devagar...
Aceitar e "ver o outro lado" das coisas não acontece da noite para o dia... acontece naturalmente, quando deve acontecer :) Gosto dos teus textos!

 
At janeiro 11, 2006 10:33 da tarde, Blogger Carla diz...

Os ruidos da natureza embalam o meu sonhar, os outros, deixam-me visivelmente irritada e é uma noite de insónia certa...
Bjx

 
At janeiro 11, 2006 10:56 da tarde, Blogger Conceição Paulino diz...

integrarmo-nos no universo e integrar tudo pq tudo tem um lugar pp na ordem das coisas e um sentido com obectivo. Mas no tocante aos ruídos nem smp é fácil. dominar o corpo e a mente com o espírito. Oespírito senhor absoluto como de facto deve ser...
Se o consegues dou-te os meusmuito sinceros parabéns e k a tua jornada continue proveitosa. Bjs de luz e paz

 
At janeiro 11, 2006 11:36 da tarde, Anonymous Anónimo diz...

ñ tenho problemas c o sono, mas acho q isso nem spr é assim tão fácil... acolher?

 
At janeiro 12, 2006 11:47 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Como sempre, tens razão... Acho que muitas vezes o que fere mais o ouvido, não é o ruído da rua, mas os gritos da alma... esses, por mais que queiramos, não nos deixam adormecer.
Beijo

 
At janeiro 12, 2006 12:25 da tarde, Anonymous Anónimo diz...

Vou tentar reagir melhor quando me irritar com algum barulho. :)

 
At janeiro 14, 2006 9:27 da tarde, Blogger Silêncios diz...

Adoro essa perspectiva e concordo plenamente com ela.É mais fácil lidar com os "incómodos", aceitando-os, do que guerrear com tudo e todos, quando afinal as coisas são o que são, e como têm que ser, no tempo e no espaço.
Até breve

 
At fevereiro 16, 2007 9:24 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Enjoyed a lot! »

 

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