Lisboa,

sexta-feira, setembro 15, 2006

Bocage


Poeta lírico neoclássico português, que tinha pretensão a vir a ser um segundo Camões, mas que dissipou suas energias numa vida agitada. Nasceu em Setúbal, em 15/09/1765 e morreu em Lisboa (21/12/1805), aos 40 anos de idade, vítima de um aneurisma. Nos últimos anos o poeta vivia com uma irmã e uma sobrinha, sustentando-as com traduções de livros didácticos. Para viver seus últimos dias, inclusive, teve de valer-se de um amigo (José Pedro da Silva) que vendia, nas ruas de Lisboa, suas derradeiras composições: Improvisos de Bocage na Sua Mui Perigosa Enfermidade e Colecção dos Novos Improvisos de Bocage na Sua Moléstia.
Filho de um advogado, fugiu de casa aos 14 anos para juntar-se ao exército. Foi transferido para a Armada dois anos depois. Como integrante da Academia da Armada Real, em Lisboa, dedicou seu tempo a casos amorosos, poesia e boémia.
Em 1786 foi enviado, tal qual seu herói Camões, para a Índia (Goa e Damão) e, também como Camões, desiludiu-se com o Oriente. Depois, por vontade própria e à revelia de seus superiores, dirigiu-se a Macau, voltando a Portugal em 1790. Ingressou então na Nova Arcádia — uma academia literária com vagas vocações igualitárias e libertárias —, usando o pseudónimo de Elmano Sadino. Contudo, de temperamento forte e violento, desentendeu-se com seus pares, e suas sátiras a respeito deles levou à sua expulsão do grupo. Seguiu-se uma longa guerra de versos que envolveu a maior parte dos poetas lisboetas.
Em 1797, acusado de heresia, dissolução dos costumes e ideias republicanas, foi implacavelmente perseguido, julgado e condenado, sendo sucessivamente encarcerado em várias prisões portuguesas. Ali realizou traduções de Virgílio, Ovídio, Tasso, Rousseau, Racine e Voltaire, que o ajudaram a sobreviver seus anos seguintes, como homem livre.
Ao recuperar a liberdade, graças à influência de amigos, e com a promessa de criar juízo, o poeta, envelhecido, parece ter abandonado a boémia e zelado até seus últimos momentos por impor aos seus contemporâneos uma imagem nova: a de homem arrependido, digno e chefe de família exemplar. Sua passagem pelo Convento dos Oratorianos (onde é doutrinado, logo após sua saída da cadeia) parece ter contribuído para tal.
Portugal, na época de Bocage, era um império em ruínas, imerso no atraso, na decadência económica e na libertinagem cortesã, feita às custas da miséria de servos e operários, perpetuando o pantanal cinzento do absolutismo e das atitudes inquisitoriais, da Real Mesa Censória e dos calabouços destinados aos maçons e descontentes.
Ninguém encarnou melhor o espírito da classe dirigente lusitana do fim do século XVIII do que Pina Manique. Ex-policial e ex-juiz, conquistou a confiança dos poderosos, tornando-se o grande senhor do reinado de D. Maria I (só oficialmente reconhecida como louca em 1795), reprimindo com grande ferocidade tudo o que pudesse lembrar as "abomináveis ideias francesas". Graças a ele, inúmeros sábios, cientistas e artistas conheceram o caminho do exílio.
Bocage usou vários tipos de versos, mas fez o melhor no Soneto. Não obstante a estrutura neoclássica de sua obra poética, seu intenso tom pessoal, a frequente violência na expressão e a auto-dramatizada obsessão face ao destino e à morte, anteciparam o Romantismo.
Suas poesias, Rimas, foram publicadas em três volumes (1791, 1799 e 1804). O último deles foi dedicado à Marquesa de Alorna, que passou a protegê-lo.
Os poemas não censurados do autor são geralmente convencionais e bajulatórios, copiando a lição dos mestres neoclássicos e abusando da mitologia, uma espécie de poesia académica feita por e para iniciados. Outra parcela de sua obra é considerada pré-romântica, trazendo para poesia o mundo pessoal e subjectivo da paixão amorosa, do sofrimento e da morte.
Já sua poesia censurada surgiu da necessidade de agradar ao público que pagava: com admirável precisão, o poeta punha o dedo acusador nas chagas sociais de um país de aristocracia decadente, aliada a um clero corrupto, comprometidos ambos com uma política interna e externa anacrónica para aquele momento. Também está presente ali a exaltação do amor físico que, inspirado no modelo natural, varre longe todo o platonismo fictício de uma sociedade que via pecado e imoralidade em tudo o que não fosse convenientemente escondido.


(Pesquisa e adaptação de Assis Machado)



SONETO DO PRAZER MAIOR

Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.


AUTO-RETRATO

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento
Inimigo de hipócritas, e frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou cagando ao vento.



7 Comentários:

At setembro 15, 2006 11:30 da tarde, Blogger Carla diz...

De passagem e a correr para te desejar um bom fim de semana
beijinhos

 
At setembro 16, 2006 1:03 da manhã, Anonymous Anónimo diz...

Adoro Bocage muito...
Estou entrando hoje também para divulgar meu outro Blog no Blig que acrescentarei mensagens sobre minha autoria, aguardo sua visita por lá, mas não se esqueçam de aparecer em Minha Página Especial também ok?
http://anjoasamorena.zip.net
Beijos no Coração...
CIÇA

 
At setembro 16, 2006 1:21 da tarde, Blogger Maria Carvalho diz...

Gosto dos sonetos do Bocage. Beijos, bom fim de semana.

 
At setembro 16, 2006 5:32 da tarde, Blogger Crónicas de Ariana diz...

Gosto destes sonetos.
Um bom fim-de-semana.
BJS

 
At setembro 17, 2006 7:44 da tarde, Blogger Paulo Nabais diz...

Aqui é um lugar onde aprendo sempre muita coisa...
Obrigado...

Um abraço...

 
At setembro 17, 2006 11:59 da tarde, Anonymous Anónimo diz...

Dele só conhecia o nome e agora conheço algo mais.
Vim desejar-te um bom começo de semana, Amaral.
Beijo,
Jo

 
At setembro 18, 2006 2:28 da tarde, Blogger Kalinka diz...

OLÁ AMARAL

Muito obrigado pela linda homenagem que fazes a BOCAGE.
Merecida. Parabéns pela ideia.

Relembrei-me agora de que decorei em tempos de escola este soneto:
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno...

Eis Bocage, em quem luz algum talento:
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou cagando ao vento.(característico dele)

Beijos cheios de ternura.

 

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